Já que leio placidamente o que escrevem, hoje peço licença para compartilhar um improvisado ensaio que fiz sobre essa polarização que tem provocado tanta dor entre nós:
Zeitgeist é um conceito bastardo, filho da metafísica e da ciência. Estranho e pouco estudado, refere-se ao "espírito" de uma época. Por exemplo, Buda, Sócrates e Laozi, estão separados no espaço e ainda assim unidos (misteriosamente) por esse tempo de grandes pensadores. Nessa perspectiva de "espírito de um tempo", temos acompanhado a maré conservadora que tem se espalhado lentamente como a larva de um vulcão adormecido.
O que está acontecendo é que todas as feridas da sociedade estão supurando e não há mais como aplicar curativos, extraídos de ideologias, reformas, paliativos e promessas vãs. Após o fracasso das utopias, das guerras mundiais e a debacle do mundo socialista, o horizonte pós-moderno se abriu à diversidade e à customização do hiperconsumo, deixando intacta, porém, a desigualdade social, a miséria em todas as suas formas. Derivada dessa estrutura, o espírito da nossa época oferece apenas o ódio cego e irracional, sem direção, sem teorias, uma catarse estúpida e destruidora - espécie de "potlatch" entre os civilizados.
Nessa maré conservadora o Brasil urdiu seu Trump tupiniquim. O crescimento desse candidato é facilmente explicável: ele une as vítimas da violência, do desemprego, da corrupção – ainda que ele próprio esteja muito longe de ser um portador de virtudes capazes de resolver qualquer um desses problemas. O candidato da Direita não tem o mínimo de bagagem para ser comparado a Alberto Torres, Oliveira Viana, Roberto Campos e outros da mesma seara. O que quero dizer é que por menos que se goste do PT, e o partido cometeu de fatos muitos erros, não existe comparação. O PT tem bons quadros, um programa e um discurso voltado para os mais necessitados. Não é um partido revolucionário, mas é o que se tem agora, aquele que pode conter essa maré conservadora, que ceifa direitos básicos dos trabalhadores, das minorias, dos diferentes, dos alternativos, ou seja, de todos aqueles que estejam alinhados ao capital, à tradição castradora, ao normal no sentido ruim do termo.
Nosso Trump é incapaz de sustentar o diálogo e será facilmente derrotado em um debate franco e aberto. Só existe uma coisa que pode superar o ódio cego e irrefletido: a inteligência, a sinceridade e um coração amoroso que não precisa do revide para pulsar. Eu tenho certeza que no fim das contas a democracia há de vencer.
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